OS PÁSSAROS BRANCOS e outros poemas
de W.B. YEATS
tradução de Maria de Lourdes
Guimarães e Laureano Silveira
(Terra do Desejo - fotos de João Tuna)
CANÇÃO DA VELHA MÃE
Levanto-me de madrugada. ajoelho-me e sopro
Até que as sementes do fogo crepitem e brilhem.
Depois ponho-me a esfregar, cozer o pão, varrer
Até que espreitem as estrelas e cintilem.
E nos seus leitos dormem raparigas, sonhando
Combinar as fitas do cabelo e as do peito,
E passam o dia inativas,
E suspiram se o vento lhes sopra uma madeixa;
Enquanto eu, porque sou velha, tenho de trabalhar,
E as sementes do fogo definham e arrefecem.
QUANDO FICARES VELHA
Quando ficares velha, grisalha e sonolenta
E cabeceares à lareira, pega neste livro
E lê-o devagar, sonha com o amor meigo
E com as sombras profundas outrora nos teus olhos;
Quantos amaram os teus momentos de feliz encanto
E a tua beleza com amor falso ou autêntico,
Além daquele homem que amou em ti a alma peregrina
E as tristezas que alteravam o teu rosto;
E curvando-te mais sobre a lareira ao rubro,
Murmura, um pouco triste, como o Amor fugiu
E caminhou sobre as montanhas lá no alto
E escondeu o rosto numa multidão de estrelas.
EFÉMERO
"Os teus olhos, outrora nunca cansados dos meus,
Ocultam-se tristes sob pálpebras cerradas
Porque o nosso amor declina."
E ela disse:
"Embora o nosso amor esteja em declínio, fiquemos
Mais uma vez junto à solitária margem do lago,
Unidos nessa hora de tranquilidade
Quando a cansada e infeliz criança, a Paixão, adormece.
Como parecem distantes as estrelas, e distante
O nosso primeiro beijo e tão velho o meu coração!"
Pensativos caminharam por entre as folhas murchas
Enquanto ele, tomando-lhe a mão, lentamente respondeu:
"A paixão muitas vezes cansou os nossos corações inconstantes."
Os bosques cercavam-nos e as folhas amarelas
Caíam como débeis meteoros na escuridão e um coelho
Velho e aleijado passou de repente a coxear pela vereda;
O Outono tombava sobre ele. E agora eles ali estavam
Uma vez mais na solitária margem do lago:
Voltando-se, viu-se que ela lançara folhas mortas,
Colhidas em silêncio e orvalhadas como os seus olhos,
Sobre o seio e os cabelos.
"Oh, não lamentes", disse ele,
"O nosso cansaço; outros amores nos aguardam;
Odeia e ama ao ongo das serenas horas.
Aguarda-nos a eternidade; as nossas almas
São amor e um contínuo adeus."
OS PÁSSAROS BRANCOS
Quem me dera que fôssemos, amor, pássaros brancos sobre a espuma do mar!
Cansamo-nos da chama do meteoro antes de ele fugir e se extinguir;
E a chama da estrela azul do crepúsculo, suspensa sobre a orla do céu,
Despertou nos nossos corações, amor, uma tristeza que não pode morrer.
Humedecida de orvalho chega uma lassitude daqueles que sonharam o lírio e a rosa;
Oh, não sonhes com eles, amor, a chama do meteoro que passa,
Ou a chama da estrela azul que se detém suspensa na queda do orvalho.
Pois quem me dera que nos tornássemos pássaros brancos sobre a espuma errante: eu e tu!
Estou assombrado por inúmeras ilhas e muitas praias das Danaan,
Onde o Tempo certamente nos esqueceria e Tristeza não mais se aproximaria de nós;
Em breve estaríamos longe da rosa e do lírio e seríamos consumidos pelas chamas,
Se ao menos fôssemos pássaros brancos, amor, flutuando na espuma do mar!
NOVIDADES PARA ORÁCULO DE DELFOS
I
Ali jazem os que são diferentes e auréos,
Com o orvalho prateado,
As grandes águas suspiraram de amor,
E o vento que suspirou também.
Niamh, aquela que os escolhe, recostou-se e suspirou
Junto de Oisin na relva:
Ali suspirou entre o seu coro de amor
O imortal Pitágoras.
Raiado de sal sobre o seu peito,
Plotino veio, olhou em volta,
E, num bocejo, tendo-se deitado
Ficou a suspirar como os outros.
II
Montados no dorso de um golfinho
E seguros a uma barbatana,
Aqueles que são puros revivem a sua morte,
Abertas de novo as suas feridas.
As águas extáticas riem porque
Os seus gritos são doces e estranhos,
Dançam com passos ancestrais,
E os selvagens golfinhos mergulham
Até que numa baía abrigada por abruptos rochedos,
Por onde perpassa o coro do amor
Ofertando as sagradas coroas de louro,
Eles se libertam do seus fardos.
III
Peseu olha Tétis fixamente,
Esguia adolescência que uma ninfa desnuda..
Os seus membros são delicados como pálpebras,
O amor cegou-o com as suas lágrimas;
Mas o ventre de Tétis está atento.
Das vertentes da montanha, onde fica
A caverna de Pã, uma música
Áspera principia a descer.
Imunda cabeça de cabra, braço brutal,
É ali que surgem; ventre, ombro, nádegas
Dardejam como peixes; ninfas e sátiros
Copulam na espuma.
NUNCA ENTREGUES TODO O CORAÇÃO
Nunca entregues todo o coração, pois não vale
Muito a pena pensar no amor
De mulheres apaixonadas desde que firma
Nos pareça, e nunca elas imaginem
Quanto vai definhando de beijo para beijo,
Pois tudo o que nos seduz mais não é
Do que fugaz deleite, doce e sonhador.
Oh, nunca entregues o coração completamente,
Pois elas, por mais que os suaves lábios o afirmem,
Entregaram ao jogo os seus corações.
E quem poderá ainda jogar bem
Se estiver surdo, mudo e cego de amor?
Aquele que fez isto sabe o quanto custa
Pois entregou todo o coração e perdeu.
UMA RAPARIGA ENLOUQUECIDA
Essa rapariga enlouquecida improvisando a sua música,
A sua poesia, dançando sobre a praia,
Com a sua alma de si mesma dividida
Trepando, caindo sem saber aonde,
Escondendo-se entre a carga de um vapor,
De joelhos esfolados, essa rapariga, eu a declaro
Algo de majestoso e belo, ou algo
Perdido heroicamente, heroicamente achado.
Ocorresse o que ocorresse
Ela deixava-se envolver pela desesperada música
E envolvida, envolvida, construía o seu triunfo
Onde os fardos e os cestos não produzem
Qualquer som comum inteligível
Mas cantavam: "Ó faminto mar. mar esfomeado."
AS QUATRO IDADES DO HOMEM
Começou a lutar com o corpo,
Mas o corpo venceu: caminha erguido.
Depois lutou com o coração:
Separaram-se a inocência e a paz.
De seguida lutou com o espírito;
Ficou abandonado o seu coração orgulhoso.
No comments:
Post a Comment